COVID-19 no Rio de Janeiro – Pacotes de alimentação e Mestre Manel da Rocinha
Como todos vocês devem ter notado, eu e meu grupo de capoeira temos realizado uma campanha de arrecadação de fundos para fornecer cestas básicas de alimentos e limpeza para famílias em diversas favelas do Rio, que estão sofrendo economicamente desde o início desta pandemia. Quase 5 meses depois, mais de 1.400 pacotes foram distribuídos, mais de 500 da minha família e amigos na Europa e no Brasil. Pensei em reservar alguns minutos para contar como tudo começou, foi um processo orgânico que ganhou vida própria!
“Como exatamente acabei aqui?” Pensei enquanto olhava para os sacos de arroz, feijão e óleo de girassol no depósito do supermercado. “Esta não era exatamente a minha intenção… Mas aqui estou e isso precisa ser feito! A vida se torna real aqui no Rio..!” Pensei antes de voltar a encher os sacos plásticos com alimentos essenciais e produtos de limpeza, para manter uma família cheia e limpa por cerca de uma semana. Muitas vezes acabo com aquela noção, que a vida fica tão real aqui no Rio de Janeiro, tão rápido…
Como todos sabemos, a Covid-19 está a espalhar-se por todo o mundo, deixando como consequência a morte e o desastre económico. No Brasil, até o final de abril, o número de mortes superou o número de mortes na China e, atualmente, em meados de agosto, mais de 3 milhões de casos e mais de 100.000 mortes. Aqui no Rio, quando entramos em confinamento em março, muitas pessoas perderam seus empregos durante a noite, e isso atingiu especialmente os cidadãos das favelas do Rio, onde muitas pessoas trabalham diretamente com o público em lojas, bares e residências. manutenção. Empregos em que você não pode trabalhar em casa. Na Rocinha, 70 mil cidadãos, onde fica meu grupo de capoeira, a linha já é tênue para muitos, equilibrando-se na fronteira de conseguir se sustentar. Muitas pessoas vivem de salário em salário e muitas não têm nenhuma poupança. Assim, sem rendimento, muitas pessoas perderam a oportunidade imediata de conseguir alimentos para si e para as suas famílias. E sem muita ajuda do conselho local nem do governo federal, muitas pessoas acabaram numa situação imediata e extremamente difícil.
Eu entendi que os tempos iriam piorar na Rocinha, assim como meu mestre de capoeira, Mestre Manel, que mora na Rocinha há 40 anos. Então aqui estamos nós. Após duas semanas de confinamento, estávamos empacotando e preparando 47 sacolas plásticas com alimentos e produtos de limpeza, para serem distribuídas à comunidade da Rocinha na mesma noite e no dia seguinte. Tudo graças às doações feitas pela minha família e amigos na Europa e por uma ONG americana, a Impacto.
Enchemos as sacolas com o básico. Apenas o básico puro. Arroz, feijão. Sal, açúcar. Óleo de cozinha, farinha. Massa, um maço pequeno de sardinha. Um molho de macarrão pré-preparado. Um pequeno pacote de café, um grande pacote de biscoitos e alguns produtos de limpeza. É isso. Nem um pedaço de vegetal. Nem fruta. Nem um pedaço de alho, neste país onde se tempera tanto o feijão, como o arroz com alho. Mas não hoje. Não há espaço para alho nessas embalagens de alimentos.
Três de nós enchíamos as sacolas enquanto o gerente da loja supervisionava o processo e gritava conosco:
“Você colocou açúcar? Você se lembrou da farinha? O molho de macarrão!?” Enquanto isso meu mestre de capoeira, que é o coração e a alma, e verdadeiro motor de tudo isso, corria por aí com a máscara no pescoço como se fosse no rosto, nos filmando, tirando fotos e fazendo filme após filme agradecendo Kamila e Doutora Ursula e fulano de tal, e fulano de tal, por sua ajuda. De vez em quando ele entregava o telefone para meu amigo ajudá-lo a marcar as pessoas no Facebook, e gritava regularmente comigo:
“Energia! Agora você agradece sua família! Em inglês!”
“Energia, agora agradeça à sua família! Em inglês!” e eu sorri para sua câmera e disse, novamente, em sueco, meu agradecimento à minha família e amigos na Europa. Sem eles nada disso seria possível!! Então é! Não podemos fazer nada sem as doações. Nenhum de nós pode fornecer mais do que nosso tempo e trabalho. Nem mesmo o Mestre, que começou essa campanha sem apoio de ninguém, sem dinheiro na conta para colocar nisso. Ele fez isso de qualquer maneira. Porque alguém tinha que fazer isso. Ele fez alguns anúncios moderados no Facebook e no Instagram e em nosso grupo de WhatsApp de que estaria no Centro Esportivo onde costumamos treinar capoeira, para receber doações. De quem, não sei! Mas há algo no Mestre Manel, ele consegue fazer as coisas acontecerem! E ele tem a capacidade de criar algo do Nada! Então aqui estamos, a segunda distribuição já esta semana, 50 sacolas na terça e 47 sacolas hoje…
Neste sábado, pessoas da organização Impacto (https://www.goimpacto.com) ajudaram com doações, assim como eu. Comecei a espalhar a notícia pela Europa e a perguntar a todos, de perto e de longe, se alguém poderia dispensar alguns dims para a distribuição do nosso pacote de alimentos. Ninguém pode fazer tudo, mas todos podemos fazer alguma coisa, e este é verdadeiramente um projeto comunitário! Uma prova de que um pouco de esforço comunitário ajuda muito! Estou realizando a campanha de doações dentro e fora do Brasil, outros do grupo ajudam a devolver as sacolas e levá-las para a ONG, enquanto outros ainda ajudam a distribuir as sacolas nos finais de semana. Muitos dos membros do grupo estiveram envolvidos de uma forma ou de outra.
Outro homem entra no depósito com sacolas cheias de produtos de limpeza e colocamos um em cada sacola. Um sabonete. Uma garrafa de detergente para a loiça. 1 litro de desinfecção. Salvando vidas em tempos de Corona vírus.
Olho para os pacotes de comida por um momento. Sentimento doce e amargo em mim. Feliz por ver a sala cheia de packs prontos para dar a quem precisa! Mas também sinto isso em minhas entranhas, sabendo que para cada pacote que dermos, três famílias ficarão sem. E por melhor que seja, já ouço o sussurro em mim “e na próxima semana..? Esse desejo dura tanto…”. E numa cultura de carne e arroz com sabor de alho, onde a natureza é repleta de frutas e vegetais nutritivos, oferecemos apenas produtos secos. Nem mesmo leite para as crianças. Cesta basicas, (cesta basicas = ninho básico) é o que se diz, o básico. Alimentar o maior número possível, pelo maior tempo possível. Quando menciono minha ideia de pelo menos um alho ali, meu amigo me olha por um longo tempo antes de me perguntar de volta:
“O que dá mais energia, alho ou feijão?”
Já disse o suficiente. Não se trata de sabor, mas de encher estômagos vazios.
Mestre mora na Rocinha há 40 anos. Ele não apenas conhece todo mundo, mas também sabe como pode ser a vida aqui e que a linha é muito tênue entre sobreviver e pobreza. Mesmo em circunstâncias normais, pode ser difícil sobreviver. Nosso grupo de capoeira, Acorda Capoeira está registrado como instituição de caridade desde o final do ano passado. Além das aulas diárias de capoeira, também oferecemos aulas infantis de música, inglês, teatro, entre outras coisas, no recém-inaugurado Centro Cultural, sede da ONG. No entanto, desde o confinamento, a ONG já não é utilizada como espaço para dar aulas às crianças, mas como depósito de embalagens de alimentos, e de onde temos feito a maior parte das esmolas.
Há muito tempo o grupo de capoeira funciona basicamente como um projeto comunitário. Mestre não cobra pelas aulas na Rocinha, mas exige disciplina e comprometimento em troca de seu tempo e esforço. Ele leva isso muito a sério, embora saiba, e tenha provado repetidamente, como a capoeira é uma oportunidade de trabalho, uma forma alternativa de educação que pode lhe dar uma profissão, um salário e uma chance de viajar. Vários meninos e meninas com quem estou treinando tiveram as primeiras oportunidades de viajar para fora do Brasil por causa do grupo! E 12-13 do grupo são profissionais como professores, dançarinos e intérpretes de capoeira, ganhando a vida da capoeira graças a este grupo.
Para mim, quando entramos em quarentena, sabendo da fragilidade desta sociedade, e da infraestrutura já fraca, foi como se tivesse prendi a respiração durante uma semana inteira, assustado com o que estava por vir. Teríamos comida? A conhecida crise do papel higiênico!? Alguns amigos perderam o emprego imediatamente, eu também perderia? E no meio disso vi o Mestre postando que ficava feliz em receber doações para quem já perdeu o emprego e a renda. De onde ele tira sua energia?! Oito dias após o bloqueio, quando consegui transferir meu trabalho para o online e ainda havia comida e papel higiênico na loja, senti como se pudesse respirar fundo pela primeira vez novamente. E com aquela respiração profunda, enquanto soltava o ar desde a barriga, olhei em volta e me perguntei:
“Como posso ajudar?” E aqui estamos!
Mal sabia eu então que esta seria a primeira esmola de muitas, muitas! Achei fantástico que eu, minha família e alguns amigos pudéssemos comprar 30 pacotes de comida! Agora, já compramos e distribuímos cerca de 500! E, infelizmente, as pessoas ainda precisam de apoio aqui, pois muitos ainda estão sem trabalho e têm dificuldade em sustentar as suas famílias e colocar comida na mesa.
Porém, eu mal sabia disso naquele dia, no final de março. Depois de algumas horas no supermercado levamos todas as sacolas de volta para a ONG Acorda Capoeira Centro Cultural na Rocinha. Já estava ficando tarde, estávamos cansados e sujos depois de fazer as malas e carregar. Apareceu uma menina que tinha ouvido falar que íamos distribuir cestas básicas e se perguntou se ela poderia conseguir uma para sua família.
“Que horas são?” Mestre perguntou.
“17.15.”
“Ainda não almocei”, disse ele, “e preciso muito de um banho! Você pode voltar aos 18!?” Ela assentiu e foi embora, animada por em breve ter comida para levar para sua família. Naquele momento Mestre olhou para mim. Cansado, sujo, obviamente com fome.
“Energia”, disse ele, “isso é tudo! Você pode imaginar quantas pessoas podemos alimentar hoje!??!”
Sim Mestre, eu sei que você tem razão. Isso é tudo! Será que as palavras, vindas do Mestre Manel que costuma gritar suas ordens e comentar nossos treinamentos de forma militar, realmente tocaram meu coração..!
É difícil compreender o impacto que tivemos e que ainda temos!
Tudo o que sei é que acho difícil entender como isso, tudo isso é possível!! As pessoas do outro lado do oceano carregam tanto sobre seus irmãos e irmãs desconhecidos nas favelas do Rio, que aqui estamos nós, distribuindo pacotes de comida após pacotes de comida. Entristece-me profundamente que seja necessário, mas, por outro lado, estou profundamente comovido por toda a generosidade e solidariedade que tenho visto através desta campanha! Como intermediário, posso ver a felicidade de quem recebe e a generosidade de quem dá! É uma bênção poder fazer isto e fazer parte deste belo, incrível e inesperado trabalho de equipa de solidariedade através de fronteiras, nações, idades e classes sociais. Tem sido, inegavelmente, muito trabalhoso manter esta máquina, mas posso dizer honestamente que é uma verdadeira bênção fazer parte disso e ver a magia se desenrolar ao meu redor quando podemos transferir as doações para alimentos. e cestas de limpeza!
A todos vocês que nos apoiaram, com doações, seu tempo, palavras de incentivo, espalhando a palavra, seus pensamentos positivos e bênçãos, obrigado! Nada disso seria possível sem você!! Só podemos continuar esse trabalho porque vocês estão nos apoiando!! Então do fundo do coração, e também em nome do Mestre Manel, Monitora Fabiana, Grupo Acorda Capoeira e As Meninas da Acorda Capoeira, Obrigada por todo apoio, generosidade e solidariedade!!! Tudo isso só é possível por sua causa, então obrigado!
Obrigado !
Obrigado !
Continuaremos enquanto pudermos e as doações serão recebidas com gratidão em
Paypal.me/sofiasunden
and Swish: 704398769
Obrigado !
Mestre Manel da Rocinha, fundador da Acorda Capoeira, o coração, a alma e o motor por trás deste enorme esforço para apoiar a Rocinha e outras favelas.