Rocinha à noite!
Não o garoto da história, mas uma versão mais jovem dele…
Já passava da hora de dormir
Discutível além do meu também, embora essa seja a beleza de ser adulto – você pode definir suas próprias regras e horários de dormir.
Porém, havia algo com esse garoto que me disse que até ele parecia ser alguém que definia suas próprias regras e hora de dormir.
Ele tinha quase 9, 10 anos, vestia nada mais do que um velho par de chinelos e um short que era grande demais para ele, que descia muito além dos joelhos. Mais tarde me disseram que eles haviam sido presenteados para ele. Ele estava com o peito nu e um pouco sujo, e embora já passasse da meia-noite ele parecia muito acordado e alerta. Alerta de uma forma que já vi antes, o olhar de crianças espertas que aprenderam cedo na vida (..muito cedo..) que não podem confiar em ninguém além de si mesmas e que precisam ficar alertas. Sempre. Sempre em guarda. Como um animal que está sempre pronto para fugir ou atacar.
Passava pouco da meia-noite de quinta-feira e saímos para tomar uma cerveja na Rocinha, a maior favela do Rio, comemorando o aniversário dos meus amigos.
Há uma semana há novas restrições no Rio e todos os bares e restaurantes precisam fechar às 21h. Porém, não necessariamente na Rocinha, onde não é a prefeitura ou a polícia que tem as últimas palavras sobre essas coisas, mas o cartel de drogas que comanda a favela.
O menino estava sentado à mesa de plástico ao lado da nossa, na pequena calçada, onde várias cadeiras e mesas de plástico estavam amontoadas. Ele aceitou alegremente comer o frango que meus amigos pediram, parecia com fome. Ele estava sentado à mesa com um adolescente, provavelmente entre 17 e 18 anos.
- O garoto ali está hospedado com aquele cara, meu amigo disse e acenou com a cabeça para a mesa.
- O quê?! Mas quantos anos esse cara tem?
- 17. Ele o acolheu quando foi abandonado pelos pais.
- Sério?! Abandonado pelos pais..! E ele tem apenas 17 anos..!!
Minha mente vagou por um minuto, pensando no que eu fiz quando tinha 17 anos e morava na Suécia. Eu não estava cuidando de crianças, isso é certo..!
- Bem, sim, ele é jovem, mas já viveu muito.. meu amigo disse. Ele era o responsável por uma das bocas (onde vendem a droga, e onde costuma-se ver de 3 a 4 caras armados rondando, vendendo a droga e protegendo o local da polícia e de outros cartéis) por aqui.
- O quê?!! Quando??
- Quando ele tinha 15 anos. Ele é um garoto durão.
- 15 anos e responsável por uma boca. Ah, ok..!
- E agora? O que ele faz?
- Ajude em uma construção. Carrega material e essas coisas.
- Ah, ok..! E como ele conseguiu trabalhar para o cartel?
- Ele simplesmente decidiu.
- Você pode?
- Sim, hoje em dia você pode. Ele decidiu que preferia viver. Há apenas dois finais para trabalhar para o cartel aqui: prisão ou morte.
- Verdade…
Há alguns anos, um dos meus alunos brasileiros de classe média ficou visivelmente chateado comigo quando perguntou o que eu iria mostrar aos meus pais quando eles visitassem o Rio, a vida açucarada e o Cristo Redentor.
- não, vou levá-los para o Vidigal e Parada de Lucas. Duas favelas onde trabalhei!
- Por que você vai mostrar pobreza a eles?! Isso não é nada para se olhar!
- Não vou mostrar-lhes a pobreza! Quero que eles conheçam esses lugares e as pessoas incríveis que conheci lá!
Há alguns anos, um dos meus alunos brasileiros de classe média ficou visivelmente chateado comigo quando perguntou o que eu iria mostrar aos meus pais quando eles visitassem o Rio, a vida açucarada e o Cristo Redentor.
Porque sim, meu fascínio pelas favelas sempre foi pelas pessoas daqui! Como a história acima sobre o menino e o adolescente. Fiquei chocado ao descobrir, mas não surpreso! Existem tantas histórias assim, de pessoas que conheço pessoalmente e de quem ouvi falar que tornam o impossível possível. Pessoas que passaram pelo Pior e ainda trabalham tanto para sobreviver e ir além daqui também.
Era muito visível para mim, quando eu ensinava crianças nas favelas, que dentro de um grupo de crianças sempre havia pelo menos uma, se não algumas delas, que simplesmente tinham Aquela coisa! Uma luz forte nos olhos, um impulso para ir além da realidade atual! A maioria das crianças pode permanecer infantil e ingênua por muito mais tempo do que muitas das crianças aqui na favela que provavelmente viram mais do que podemos imaginar!
Então pelas favelas, meu amor e fascínio por esses lugares é definitivamente devido às pessoas. E a energia. Não consigo explicar o quanto gostei de sentar naquela mesa de plástico na noite de quinta-feira passada, sob as luzes quentes e brilhantes da rua da Rochina, com uma música cafona tocando ao fundo, observando a vida de rua que nunca para naquele lugar e conhecendo não só o garoto e o adolescente, mas uma série de outras pessoas interessantes naquela calçada.
Embora sejam as memórias do menino que ficaram comigo. Seus shorts muito grandes que ele tinha sido dotado, e seu olhar de rua em seu rosto. Eu me pergunto o que ele já passou em sua vida, e sou grato que o cara tenha maturidade e coração para aceitá-lo. … Rocinha.. um outro mundo no meio do Rio de Janeiro..! Venha visitar quando estiver por perto!
Obrigado por ouvir
Com os melhores cumprimentos!
x Fia x
A iluminação pública da Rocinha.. ❤️